30 setembro 2006

Sociólogos

Há sociólogos que se interrogam sobre os factos sociais.
Há factos sociais que se interrogam sobre para que servem os sociólogos.
Há astrólogos que passam por sociólogos.
Há sociólogos que são astrólogos.
E há sociólogos que se convenceram de que estão nos tribunais.

Chicualacuala

O horizonte, um fio de fumo que se avoluma, o comboio que se aproxima. Chiar de freios, vai parando, parou. A vila atraca buliçosa às carruagens. Chicualacuala.

Tete

Tete, mitete. Regresso às origens. Chingodzi, desço do avião, apalpo com os olhos todo aquele imenso e calmo mar de embondeiros. Uma planície sem árvores rasteiras, o calor embrulha-me, Matundo. Localizo o velho rochedo onde habita Tsato, a gibóia mítica. O casario visto da ponte, abraçado ao Cuama dos livros, o Zambeze, cumprimento os espíritos manhungué do rio. A cidade, as ruas largas, um presente buliçoso preso à história dos mutapas do Chioco e dos muzungos de terras e de guerras do Zumbo e do Massangano. O passado regressado nos escombros do velho prédio do Carletis, do casarão tombado de Vieira o "chicauira". Sonho as maçanicas enquanto como pende encostado ao Zambeze, lá onde na minha infância a velha canhoneira chegava resfolegando vinda do Chinde, carregada dos lanhos que eu sempre guardei nos sonhos. Miro a ilha de Canhimbe à esquerda. À direita, longe, orgulhoso, o pico da Caroeira. Quem se lembra que alguém um dia ali houve um botequim onde um homem creio que careca servia galinha assada no carvão e cerveja gelada pela frescura da noite e onde nas fraldas de micaia, por madrugadas sem fim, os macacos-cães esperavam que o leopardo saísse da toca? Adormeço num quarto da Univendas.

Bicicleta-família


Foto de César Bila in "Notícias" de 22/09/06, p. 5.

29 setembro 2006

La Habana

Habana, Havana. Açúcar. Centenas de estudantes, batas brancas. Médicos, enfermeiros, chevrolets e fords dos anos 50. As palavras saem rudes e altas e agridem no trânsito quando uma transgressão surge às cavalitas de outras, que muitas são. Gente de múltiplas origens, cubanizadas, cubanas, mestiçadas. Nesta Cuba para onde vieram escravos de Moçambique, com os nomes da altura, os macuás, os mozambiques*. As calles, dança-se, eles com ar gingão, músculos à mostra, a garrafa de vodka perto. A fala é alegre, chistosa, calórica. Povo generoso. E corajoso. O mar é belo, sinto-me em Copacabana, mas faço questão de inventar uma diagonal directa para Bazaruto. Remoçambicanizo-me cubanizando-me.
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* Ortiz, Fernando, Los negros escravos. Habana: Editorial de Ciencias Sociales, 1987, pp. 54, 74.
Comprei esse livro em Habana.

Moscovo

Moscovo, Moskova, Москово. Aquele gigantismo, o cheiro a gasolina a chumbo, as praças enormes parecem saltar o horizonte. O metro, toda aquela gente apressada, com gorros, casacões, as paragens, as estações sempre com baixos relevos pesados. Viajo como se estivesse dentro de Tolstoi. Não, Dostoievsky. Saio, perco-me, ninguém sabe português, francês ou inglês. Para onde ir? E o meu russo é deploravelmente franciscano. A tristeza num andamento de Prokoviev, o frio cerrado.
Exterior da estação. Aqueles prédios cinzentos, frios, estalinistas.
Eu sou do país do Sol e falta-me aqui o Índico.
E chega-se-me logo um russo enorme, ar de negociante, sorriso cúmplice: Товарищ, Вы хотите девочку? (Camarada, quer uma rapariga?).
Onde está o sol?

28 setembro 2006

Siargao: paraíso dos turistas e dos rins para transplante

A ilha de Siargao, no sul das Filipinas, é considerada um paraíso pelos turistas: praias maravilhosas, lagoas e ilhotas de sonho, uma pérola para os surfistas.
Mas Siargao é provavelmente também o local de maior concentração de vendedores de rins. Entre 2001 e 2004, 60 residentes da ilha venderam um rim a um dos maiores hospitais de Manila, onde os seus órgãos foram transplantados para ricos pacientes árabes, japoneses e filipinos. Pescadores de subsistência, farmeiros empobrecidos de coqueiros, vendem os seus rins a preços entre USD 2.000 e 4.000.
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Coronel, Sheila and Dixit, Kunda, Setting the context/The development debate thirty years after What Now, in What next, Development Dialogue (47), june 2006, vol. 1, p. 13.

Deepest thanks to Dag Hammarskjöld Foundation for this review.

Rio de Janeiro

Rio de Janeiro. Estou atrelado a toda aquela gente que passa sem parar, tenho a sensação browniana de que estou no centro do mundo, mundo de palavra farta, consecutiva, ruidosa. Falares diversos, cores tantas, destinos múltiplos. Em cada uno está a bandeira do variado. Craveirinha está nas veias de Chico Buarque, o mundo de Malangatana habita os morros. Choco com a Europa no preciso momento em que, ao recuar, bato com as costas em África. Tenho o meu xicuembo abraçado ao cadomblé quando em Copacabana reencontro o Bilene. Vixe!

Oslo

Oslo, uma cidade linda, parece um poema geométrico, uma cidade onde a desordem se suicidou, onde tudo, mesmo o nada, parece regrado, sem as fissuras do acaso e do impoderado. Até as árvores têm consciência da vitória da razão sobre a emoção.
Mas falta-me a desordem, o não previsto, algo que seja a perversidade amiga e cúmplice da emoção.
Volto a Maputo, que prazer esta subversão do sempre organizado, este caos táctil, forte, esta vertigem de chapa-cem, esta ontologia xiquelenística.
Mas quando vejo as bases das acácias negras de urina imperial, volto a Oslo.
E assim estou eu entre Oslo onde procuro Maputo e Maputo onde procuro Oslo.
Apenas me dou bem nessa intemperança mestiça e em permanente bifurcação.

John veio do John

Lá em Gaza, numa aldeia, atravessando campo e bois, alterando o sempre-foi-assim, John, o mineiro, chegou do John. Carrinha atulhada, coisas de todos os tipos, para comer, para vestir, para vender, para fazer casa, o fantástico subverte a rotina campesina. A família, a alegria, a vitória sobre o igual e a privação.
Cupalha para agradecer aos espíritos benfazejos.
O mineiro tem os pulmões estragados e veste um grosso casacão apesar do calor.

A deliciosa natureza humana

Existe uma coisa deliciosa, confortável. Chama-se natureza humana. Todos a partilhamos. E, frequentemente, os seus maiores admiradores são os chamados cientistas sociais. Em muito do que escrevem tocam uma partitura igual à que se segue:
-Meu, sabes o que é natureza humana?
-Claro que sei. Somos nós.
-Nós quem?
-Nós, os seres humanos.
-E como sabes que somos nós?
-Porque somos a natureza humana.
-E que provas tens de que as coisas são assim?
-Por que somos a natureza humana eterna, somos o que todos sabem. Para quê falar sobre uma coisa tão óbvia?
-E os habitantes da Sommerchield têm a mesma natureza humana que os do Xipamanine?
-Claro, não somos todos humanos?
-E em que é que nos distinguimos por exemplo das alforrecas? Estas também sentem, pensam, agem. Se não o fizessem, morriam.
-Estás enganado, que crime o que dizes! Nós pensamos as alforrecas, elas não nos pensam.
-Ah sim? E que mais?
-É natureza humana e prontos.

27 setembro 2006

IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais

Luanda, 28/30 de Novembro, IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais, dedicado ao tema Dinâmicas, Mudanças e Desenvolvimento no Século XXI. Diversidade cultural, cidadania, migrações e comunidades transnacionais são algumas das áreas temáticas.

Secretariado do IX Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais
Universidade Agostinho Neto
Faculdade de Direito (Secretariado da Pós-Graduação)
Caixa Postal 1354
Av. Ho Chi Minh, Luanda, Angola
E-mail: ixclabcs@yahoo.com.br
Telefones: +244222325538/923215340/923565845
Fax: +244222325538

Eu estarei lá, como investigador e membro da Comissão Científica.
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http://www.ces.uc.pt/misc/IX_CONGRESSO_LUSO-AFRO-BRASILEIRO.pdf

26 setembro 2006

Baixaaaaaaaaaaaaaaaaooooo!!!


24 de Julho, junto à clínica 222. Chapas, chapismo. Baixaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaooooooooooooooooooo!!!!!, buia alene eh wena!!!!, grita o chamador corpo de fora na porta sem porta, ar gingão de filme americano, um corpo entre outros todos encostados, ensardinhados, ida para a baixa da cidade, hora de ponta. Pára o chapa roncando, made in Korea: apinhado, o único espaço que há é a falta dele. Estudantes, mechas, tchuna-babes, operários, funcionários do Estado, bonés, come-se amendoim, alguém lança por uma janela uma lata de coca-cola. O semi-colectivo não tem tubo de escape, o pneu direito dianteiro está semi-vazio. O condutor fuma uma beata. Meu! Vamos! Baixaaaaaaaaaaaaaaaaaaaooooooooooooooooooo!!!! E lá vai o chapa envolvo em fumo. Caminho para o meu carro. E lá estão as crianças da rua. Patrão dá mil, patrão fome!

Metros autistas

Paris, metro. Adoro andar de metro em Paris. Andar de metro é para mim estar no coração do autismo. Entro e sento-me. Como os outros ou quase todos os outros, também trago um livro ou trago o Le Monde. Um ritual inexorável. Por vezes tento a provocação, sem sucesso, trazendo o L´Hummanité. Parte o metro, pulsa o autismo, sístole e diástole do sempre igual. Com poucas excepções, os passageiros lêem, o jornal, a revista, o livro. Cada passageiro é um mundo fechado, hostil, uma fortaleza perfeita. Ninguém fala, as palavras foram há muito assassinadas. E eu, que venho das ruas calóricas, das ruas das vozes, do bula-bula, do face-a-face permanente. Estudo viagem após viagem a morfologia de todo aquele autismo. A roupa, o corpo, os cabelos, os sapatos, o tipo de livro, de revista. Estudantes, gente de escritório, professores, prostitutas, carteiristas disfarçados, emigrantes, alguns turistas. Reparo que poucas vezes os cabelos foram lavados. Bem, deixemos isso. Regra geral é possível estabelecer relações entre o tipo de leitura, o tipo de vestuário e a forma - estudadamente cansada - dos olhos, como naqueles filmes franceses cheios de drama e de vozes sem destino. Várias vezes procuro saber se se lê mesmo. Há quem realmente leia, frequentemente o último romance do autor consagrado do mês. Mas em expressão que não posso quantificar, não é pouca a gente que não sai da mesma página, aí fica em panne. Entram as pedintes do norte de África, com filhos embrulhados em mantas, minha senhora, meu senhor, estou a sofrer, por favor ajudem-me. Etc. E vão passando no corredor, pardon, pardon, o olhar treinado pela recusa mas sempre lutador, ninguém dá o que quer que seja, olham todos mais demoradamente para as janelas, apertam os atacadores ou intensificam o teatro diário do sono. O homem do acordeão, o saxofonista, o desempregado com um cartaz no peito, pequenos estremeções no autismo que se repetem de viagem em viagem, de carruagem em carruagem. Bem, importa ser honesto: uma ou outra moeda vez que vez. Mais nada. Chego a tocar com os joelhos nas pessoas, tusso demoradamente, ensaio o espirro, faço o parto do diferente, a ver o que sucede. Um ligeiro movimento de enfado, o autismo mantém-se, os olhos bem ancorados no livro, na revista ou no jornal, tudo se resumiu a uma pequena pedra sem glória no charco metro-autista. Ruído. Entram sul-americanos? Argentinos? Espanhóis? Ou são alunos do ensino primário? Mas o que importa isso? Fim de estação, nova estação, sai gente, entra gente, tudo a correr para destinos secretos, o autismo, o silêncio, o saxofonista. Etc. Saio na estação seguinte, nos bancos de espera estão os habituais desempregados dormindo junto das garrafas de vinho vazias. Merde, diz um. E acrescenta outras coisas, que não fixo. Uma vez mais gorada a minha tentativa de berrar a plenos pulmões. Au revoir!

O corpo

Penso que todo o mundo imagético que temos criado, que toda a espantosa mitologia que temos produzido ao longo de séculos, penso que tudo isso tem no corpo o seu embôlo, a sua raiz, a sua matriz, a sua fonte de inspiração.
Concebemos o social à medida do corpo, das suas partes, etc. Leia-se, por exemplo, Émile Durkheim.
Tenhamos em conta, nas teorias do social, as imagens da sociedade doente, da sociedade com saúde, da moral, da perda da moral, do equilíbrio, das funções e disfunções, do comportamento anómico, das revoluções, do Estado intervencionista, etc.

25 setembro 2006

Consciência jurássica


Maputo, sábado, Av.ª Friedrich Engels, Jardim dos Namorados, faz um sol lindo, chegam e partem as comitivas ruidosas dos noivos recém-casados com a benção dos respectivos grupos corais.
Duas jovens passam devagar, no sentido ascendente da avenida, catorzinhas, ambas calçam sapatilhas coloridas nos pés direitos e botins nos esquerdos, uma delas coxeia, provavelmente porque um dos botins a magoa. Nas cabeças, mechas vermelha uma, castanha outra.
Em sentido contrário passam mulheres com vestidos garridos, todas com os habituais folhos nos ombros, típicos dos trajes das deputadas e das acompanhantes dos casamentos, sinal de quarentonas severas, ainda que sempre predispostas à dança e ao menear das ancas.
Todo o meu estoque rotineiro de estética corporal fica empenado ante as sapatilhas e os botins.
Esboço a tentativa de me aproximar das catorzinhas e entabular diálogo com a diferença para conhecer o segredo daquela assimetria no calçado.
Mas desisto, procurando digerir a minha consciência jurássica.

Perguntas ociosas


Maputo: salões de beleza, em toda a sua variedade, formais e informais, com todo o seu público feminino; sextas-feiras dos homens, no seu mundo das barracas. Mundos densos, palavras agarradas umas às outras, frenético diz-que-diz, bula-bula transfronteiriço na revisão comunitária da vida.
Quantas horas ocuparão as mulheres com as mechas, as unhas, a depilação, etc.? E os homens nas barracas? Que custos financeiros estão aí envolvidos? Que variáveis devemos usar? Que perguntas devemos fazer?
Custos? Mas também: quantos ganhos sociais, quanto mundo imagético, quantas vitórias underground?
Tenho para mim que o mundo se pode refazer num salão de beleza com três mulheres e numa barraca com quatro homens. Por hipótese, claro.

A tese do chanceler Gerson


"Todo o ensino ministrado por mulheres deve ser considerado suspeito" - Sr. Gerson, chanceler da Universidade de Paris, século XV.
Querem as mulheres comentar?

Simmel e a estética

Em minha opinião, ninguém melhor do que o sociólogo alemão Georg Simmel escreveu mais bela e profundamente sobre a estética corporal, sobre os julgamentos estéticos, sobre o corpo, sobre a moda, sobre a nossa imensa sede de nos parecermos com outros, de tentarmos chegar ao alto se estamos em baixo, sobre, finalmente, esta "impaciência específica da vida moderna", como ele afirmou.

Mechas+ tchuna-babes

Fascina-me cada vez mais ver as nossas jovens trocando os seus cabelos naturais pelas mechas de cabelos naturais ou sintéticos, que podem ter várias cores, especialmente na cidade de Maputo.
Há dias dei-me em verificar que numa turma minha de estudantes universitários, apenas uma mulher tinha os seus cabelos naturais cuidadosamente arranjados.
Mechas que podem levar horas, muitas horas a colocar e a tirar, em locais femininos de fala e revisão da vida, nos quintais ou nas varandas.
Mechas que se combinam crescentemente com as tchuna-babes (vesti-las e tirá-las também pode levar tempo) em raparigas longilíneas e numa gestão corporal inexistente no look de há dez anos.
Uma completa revolução na estética corporal que importa estudar.
A propósito de mechas e do seu significado social, veja o portal a seguir:
http://www.lpp-uerj.net/olped/exibir_opiniao.asp?codnoticias=9495

Livros de estórias: imagem masculina do mundo


"Os livros de estórias mostram invariavelmente uma imagem masculina do mundo: homens e animais machos são mais numerosos e nitidamente valorizados. A representação dos personagens femininos explica a manutenção dos estereótipos e das desigualdades. Com efeito, de cada dois um é "apenas" uma mãe, e sua relação com os filhos é reduzida a uma ligação de serviço. Neles, apenas 5% das mães trabalham, enquanto que na realidade elas são 80%, e são reduzidas a enfermeiras, professoras primárias ou vendedoras. Já os homens, estes são inseridos socialmente em todos os escalões." - Sylvie Cromer
http://www.ambafrance.org.br/abr/label/label37/dossier/

As cadeiras masculinas


Dificilmente nos interrogamos sobre as cadeiras. Sentamo-nos nelas e é tudo. Mas é justamente sobre as coisas mais banalizadas pelo uso, mais aparentemente estrangeiras aos mitos e às relações de poder, que devemos interrogar-nos.
Existem diferentes tipos de perguntas que podemos colocar às coisas modestas.
No caso das cadeiras, podemos rapidamente fazer duas perguntas, uma de tipo digamos filosófico e outra do tipo prático-situacional, a saber:
(1) Por que razão usamos cadeiras e pura e simplesmente não nos sentamos no chão?
(2) Por que razão a cadeira continua a ser em Moçambique um atributo generalizadamente masculino?
Deixemos de parte possíveis respostas para a primeira pergunta.
Quando à segunda, devo confessar que ainda não investiguei isso, mas se cada um de nós estiver atento, verá que, especialmente em zonas rurais, a cadeira é ainda um quase exclusivo dos homens, sentando-se as mulheres no chão, em esteiras.
Nas sessões de tribunais comunitários, não poucas vezes as mulheres sentam-se no chão e os homens em cadeiras.
Mais: os homens sentam-se em espaços abertos e as mulheres em espaços fechados, no interior das casas ou em locais de pouca visibilidade.
A cadeira tem duas histórias: uma horizontal (no sentido da sua origem) e outra vertical (no sentido das relações de poder).
Através de uma cadeira pode fazer-se a história e a sociologia de um país.

N.B. Excluí falar dos primos burgueses das cadeiras, os sofás.

Ídolos


Ah, estes homens livres que criam ídolos para terem patrões.
Algo me diz que li isso em Schopenhauer.

Digerir os outros

"Nada de mais original, de mais intrínseco do que alimentarmo-nos dos outros. É preciso, porém, digeri-los. O leão é feito de carneiros assimilados” (Paul Valéry).

A epistemologia da Sra. Vanessa Brown

A Sra. Vanessa Brown, que exibe o seu grau académico de mestre, criou um blog para encorajar as mulheres negras lésbias a amarem e a assumirem a sua sexualidade.
Mas decidiu ir mais longe: escrever um livro sobre a sociologia e a psicologia das mulheres negras bisexuais. E solicita voluntárias para participar no projecto:

http://www.kuma2.net/blog/?p=11

Não há dúvida de que os campos do saber são matematicamente vastos e de que o conhecimento pode mesmo ser um sedativo.
Imagino o tema bem americano da Sra. Vanessa Brown a ser desenvolvido aqui, em Moçambique. Imagino as pragas que seriam lançadas pelas boas consciências.

24 setembro 2006

Casar com mulheres educadas e trabalhadoras= risco de divórcio para os homens


Casar com mulheres educadas, que trabalham, mulheres de carreira, é um risco de divórcio para os homens.
Um ponto de vista bem androcêntrico e com invocação de sociólogos, defendido por Michael Noer na edição on-line de Forbes com o título "Não case com uma mulher de carreira", o que, naturalmente, provocou logo reacções.
Nesta e em outras posições, a dúvida metódica é sempre o melhor antídoto para não nos divorciarmos do bom senso.
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Veja o ponto de vista de Noer e os pontos de vista contrários nestes portais:
http://www.forbes.com/2006/08/23/Marriage-Careers-Divorce_cx_mn_land_print.html
http://www.pobronson.com/blog/2006/08/response-to-forbes-dont-marry-career.html

Ilustração extraída de : http://loup05.deviantart.com/

23 setembro 2006

Malaika e os garanhões da net


Naturalmente que cada um de nós sabe que a net é um excelente e rizomático laboratório sociológico.
No que me concerne, adoro os programas de mensagem instantânea tipo msn ou skype.
Um dia, em momento de lazer, decidi estudar o comportamento reactivo dos garanhões da net, os garanhões netianos, via skype.
Procedi assim: criei uma personagem feminina, muito sensual, fi-la habitar Paris, escrevi uma frase muito hot no perfil em inglês e francês, importei um seio espectacular de um programa destinado a dar esperança aos impotentes de todos os azimutes e, finalmente, coloquei-me em skype me.
Decidi estar rigorosamente uma hora a skypar.
Nesse período, a doce, fascinante e parisiense mulher, de nome Malaika, foi rápida e consecutivamente interpelada por 245 garanhões, dos quais 145 pediram logo para fazerem sexo pela cam (enquanto chamavam desesperadamente pelo audio) e 30 dispuseram-se a mostrar os seus dotes corporais e baixo-ventrais pelo mesmo canal. Quelle féerie, mon dieu! Do ponto de vista da origem regional de semelhante fauna, 85% era constituída por tarzans ansiosos de Marrocos, Argélia, Egipto, Lisboa e Paris. Lembro-me ainda de um russo, de um mexicano e de um habitante do Alasca.
Por agora não vou comentar. E muito menos comentarei o conteúdo digamos que didáctico das mensagens que ela ia recebendo.
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Ilustração em:
http://loup05.deviantart.com

Virtudes exorcistas dos advérbios

Cada vez que uma agência internacional diz que há corrupção em Moçambique ou cada vez que internamente o tema é ventilado, sempre aparecem os que conhecem bem as virtudes dos advérbios.
Assim, os sábios adverbiais imediatamente emitem um comentário-tipo ou uma diatribe-tipo do género "quem nos critica devia olhar primeiro para a sua casa, onde a corrupção também prolifera".
Com o belo também exorcizamos os fantasmas punidores, remetemo-los para a malevolência e, docemente, sem ressaibos de consciência, prosseguimos a saga acumuladora.
Quem ousa ter o desplante de afirmar que não temos direito à corrupção?

22 setembro 2006

A Pátria de Salman Masalha

Por vezes a vida tem sentidos que merecem ser amados. Que merecem a pena serem fortemente desejados.
Por exemplo, o poeta árabo-israelita Salman Masalha propôs a criação da Pátria, uma Pátria singular, uma Pátria de todos os cidadãos, uma pátria que não é nem de Israelitas, nem de Árabes.
Nessa Pátria multi-cidadã a poesia substituiria a prece, uma Casa de Encontros o templo. Seriam proibidos os sinos de igrejas, o shofar judaico ou o muezzin das mesquitas que chama à oração.
"Não quero um passado neste lugar", disse Masalha. "Aqui não há lei de retorno. Apenas temos obrigações para com o futuro ", acrescentou.
E disse ainda o seguinte: "Há tanto passado que não conseguimos ver um futuro aqui. O judaísmo e o islão capitalizam a importância da lembrança. Nós, cidadãos da Pátria, queremos esquecer. Não queremos deitar fora as memórias pessoais, mas queremos começar uma jornada conjunta a partir do que temos aqui e agora."
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Leia em detalhe este fascinante fenómeno no portal:
http://www.haaretz.com/hasen/spages/766045.html

Ao rico não se rouba....

Há dias escutei o seguinte diálogo entre dois estudantes universitários, creio que de História:
-É pá, isto de roubo está mesmo numa alta.
-É verdade. Mas um gajo precisa ver que roubo não é roubo muitas vezes.
-Roubo não é roubo, meu?
-Não, roubo não é roubo quando tu roubas os ricos.
-Como assim, meu?
-Roubar um rico não é roubar, é só diminuir-lhe um pouco.

De novo a origem e os pressupostos da sociologia

Já escrevi neste diário sobre a origem e sobre os pressupostos da sociologia.
Vou, de forma breve, retomar o tema.
Escreveu um dia o escritor inglês Herbert George Wells que a sociologia tinha por tarefa essencial a de fabricar utopias.
Na realidade, os primórdios da sociologia são exactamente isso mesmo, a produção de utopias.
A sociologia nasce como uma terapêutica, como um projecto de regeneração social, como uma tentativa para eliminar as térmites do corpo social. O sociólogo aparece em cena (cena exclusivamente urbana na altura) como um grande pontífice, um arauto messiânico. No século XIX, muitos dos sociólogos eram reformadores sociais.
Os seres humanos foram convidados a entrar no reino da razão, a abandonar de vez a emoção e a revolução e a pautarem-se por dogmas e por regras morais severas. O saint-simonismo foi efectivamente uma religião. Auguste Comte criou uma religião. Durkheim, um excelente sociólogo, nunca perdeu a sua veia de reformador social, de fabricante de sistemas morais e de inimigo das revoluções, de inimigo dessas crispações da emoção, da sem-razão.
Hoje ainda, muitos sociólogos continuam a guardar dentro de si a semente da reforma social.
Na verdade, ao perfil do sociólogo vivisseccionista (aquele que disseca o corpo social para o compreender) irmana-se o perfil do sociólogo reformador (aquele que luta por uma sociedade diferente). O primeiro trabalha no reino do "isto é assim"; o segundo enxerta nisso o reino do "isto deve ser assim".

Hoje: severos problemas com a net

Aos meus leitores e correspondentes nos programas de mensagem instantânea (msn e skype), aqui fica o aviso de que estou (e certamente muitos outros estão) com severos problemas com a net hoje, desde manhã cedo. Um funcionário da netcabo local falou-me em avaria. Nem ao email consigo acessar. Kanimambo pela compreensão.

21 setembro 2006

Os chifres no coelho

O "Notícias" de hoje publica a seguinte carta do leitor Feliciano Mangue, com um estilo muito singular:

Os chifres no coelho

SR. DIRECTOR! Se os cuidados e tratamentos tradicionais tiverem a legítima defesa por reconhecimento e os curandeiros concluírem o nível superior, a identidade assentar-se-á nos valores culturais e a moçambicanidade florescerá jubilosamente.
Os falsos chifres ao infiltrado coelho descolar-se-ão pelo escaldante verão no obséquio dos verdadeiros chigudos que se solidificarão firmemente no inverno. O igualitarismo absoluto reprimirá o falso. A força da botânica curativa e preventiva vai vencendo a vergonhosa negação de tradições aos cuidados curativos e tratamentos costumeiros numa clara rejeição de valores culturais.
A superioridade cultural escravizará a outra. A partir das sociedades primitivas os cuidados curativos e tratamentos locais evidenciam-se de imediato e urgentemente nas comunidades longínquas dos hospitais.
O ódio é a fase superior de inveja.

Feliciano Geite Mangue

Maputo, Quinta-Feira, 21 de Setembro de 2006:: Notícias
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/9687

O espírito do espírito do deixa-andar

Contava-me ontem um antigo estudante meu, hoje funcionário encarregado de fazer chegar água a quem dela carece, que numa determinada zona deste país organizaram-se as coisas para se construir um poço para uma comunidade carente.
Cerca de oito mil dólares, esse o custo da obra.
O problema é que a área escolhida tinha sido morada de um chefe tradicional, cujo espírito ali morava. Construir o poço iria perturbar o espírito.
Só após intenso processo negocial foi possível transferir as ossadas do chefe para um outro local e , mediante cerimónias propiciatórias, acalmar o seu espírito.
Essa história fez-me lembrar o nosso famoso slogan: vamos todos combater o espírito do deixa-andar!
E se, por razões que só a ignara razão conhece, combater o espírito do deixa-andar fosse para muita gente uma perigosa forma de combater milhares, milhões de espíritos deixa-andarentos, que se iriam revoltar? Não será por isso que tanta coisa anda ainda?
Belo enigma sociológico que joga pelo lado brincalhão o que, na outra margem, o lado sério não desdenha analisar. Concordam?

20 setembro 2006

Primórdios da imprensa escrita em Moçambique (4)


Eis O Africano, exemplar de um número único, bilingue, 1908, na então Lourenço Marques (designada Mpfumu em língua local).

Primórdios da imprensa escrita em Moçambique (3)


Mais um jornal de Quelimane, exemplar de 1892.

Primórdios da imprensa escrita em Moçambique (2)


Frontispício de um exemplar de O Vigilante, publicado em 1882 em Quelimane.

Primórdios da imprensa escrita em Moçambique (1)


O primeiro jornal de Moçambique nasceu em 1868, na Ilha de Moçambique e chamou-se O Progresso.
Também na Ilha nasceu em 1986 o África Oriental, com tipografia própria.
Coube a Quelimane ver nascer em 1877 o terceiro jornal local. Chamou-se O Africano. Aqui publico o frontispício de um exemplar de 1880.
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Cf., entretanto, Rocha, Ilídio, Catálogo dos periódicos e principais seriados de Moçambique, Da introdução da tipografia à independência (1854/1975). Lisboa: Edições 70, 1985.

Mais um partido político

Surgiu mais um partido político no país, o Partido da União para a Reconciliação (PUR), liderado por João Chambe, ex-secretário-geral da Associação Moçambicana dos Desmobilizados de Guerra.
Nenhum programa inovador, apenas um conjunto de ideias iguais às dos outros pequenos partidos deste país.
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/9660

19 setembro 2006

As neo-cruzadas no Oriente

Há três coisas que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida (provérbio chinês)

Os anos 90 possuem dois livros fundamentais: "O fim da história e o último homem" (1992) de Francis Fukuyama e "O choque das civilizações" (1996), de Samuel Huntington (1).
O primeiro profetizou o fim da história e a sua sedimentação na democracia liberal.
O segundo deu ao conflito em curso o selo de uma guerra civilizacional entre o Ocidente (Europa e Estados-Unidos) e a dupla Islão/China.
Esses dois livros capitais surgiram-me à memória quando soube que, terça-feira, numa universidade alemã, o papa citou um imperador cristão ortodoxo do século 14 que afirmou ter o profeta Maomé apenas trazido "coisas más e desumanas"(2), uma crítica frontal ao chamado fundamentalismo islâmico e à jihad. O pedido de desculpas do papa Bento XVI não conseguiu evitar o enorme efeito bola-de-neve causado: a flecha não voltou atrás.
A posição vincadamente intervencionista de Bento XVI provocou e provoca ainda um forte coro de protestos no mundo islâmico, tendo um proeminente líder muçulmano pedido aos crentes islâmicos um "dia de ira" na próxima sexta-feira (3). Os seus Saladinos ideólogos estão, na verdade, em pé de guerra.
A intervenção do papa cauciona indirectamente o espírito da neo-cruzada que tem levado os cavaleiros americanos a interferir sistematicamente no Oriente, numa guerra cruel (como exemplar e sistematicamente tem mostrado em seus livros o linguista americano Noam Chomsky) destinada por um lado a decapitar o crescimento militar local e, por outro, a manter uma pressão hegemónica permanente sobre as fontes de petróleo (4), ao abrigo da sombrinha ideológica da luta contra o mal (terrorismo islâmico) em nome do bem (democracia liberal).
O papa mais não fez do que ocultar a militarização crescente do capitalismo, atribuindo ao lado contrário o bónus do malefício total, ressuscitando, sem disso se aperceber, o espírito belicista de Urbano II.
E é aí que, neste mundo cheio de fundamentalismos e de purismos crescentes, sob a batuta do imperialismo total, os fios dos dois livros se dão o nó górdio aproveitando a boleia papista: o que se passa hoje no Oriente é, na óptica dos ideólogos ocidentais, a rota final da democratização capitalista à Fukuyama nos carris da luta civilizacional à Huntington.
Mas, segundo, Huntington, ainda não chegámos ao que ele chamou "choque total" (5).
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(1) Versões francesas: Fukuyama, Francis, La fin de l´histoire et le dernier homme. Paris: Flammarion, 1992; Huntington, Samuel P., Le choc des civilisations. Paris: Éditions Odile Jacob, 1997.
(2) http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/topoption/58

(3) Youssef al-Qaradawi, chefe da União Mundial de Ulemás Islâmicos- idem.
(4) Veja, a propósito, as recomendações de forte teor maquiavélico feitas por Huntington, op.cit., p. 345.
(5) Op. cit., p. 357.

Trabalho infantil

Cerca de 70% do trabalho infantil a nível mundial é executado na agricultura, de acordo com um relatório da FAO.
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www.fao.org
O meu obrigado à Fátima Ribeiro por me ter chamado a atenção para o relatório.

18 setembro 2006

Os auto

Existe neste país uma fauna especial, cada vez mais numerosa.
É a fauna dos auto.
Ela é constituída por meritórios auto-escritores, auto-historiadores, auto-sociólogos, auto-analistas políticos, auto-qualquer coisa, que nunca deram ao público um livro, magro que fosse, para que pudéssemos avaliar as suas qualidades, que nunca tiveram uma escrita sistemática na imprensa.
Mas surgem nos jornais, nas televisões e nas rádios cheios de títulos, de predicados e de fala cardinalícia.
Eles, os auto, fazem doutas conferências para plateias maravilhadas ou discutem não importa que tema após terem lido o “Notícias” e/ou recolhido a bibliografia de um colega.

16 setembro 2006

Sociólogo?


Apenas me considero sociólogo se me sentir entalado entre as ciências ditas exactas e as humanidades.
A propósito disso recomendo vivamente o livro, hoje clássico, cuja capa encima esta entrada.

O conservador

Um conservador de gema, um conservador puro-sangue, nunca pensará no futuro e se pensar no presente será sempre para o amaldiçoar.
A agricultura do conservador é inevitavelmente praticada no passado.

Indeterminação

Pense-se quanto as nossas diferenças levam a uma permanente re-interpretação do passado. Isso significa, afinal, que o passado é tão indeterminado quanto o futuro.

Ideias

"Os reis, os grandes, e aqueles que os defendem parecem ignorar o poder das ideias. Acostumados a que forças visíveis dominem as opiniões invisíveis, não sentem que é a essas opiniões que a força é devida. O hábito os torna indiferentes no milagre da autoridade. Eles vêem o movimento, mas como desconhecem a causa, a sociedade aparece-lhes como um mecanismo grosseiro. Eles tomam o poder por uma causa, quando não é senão um efeito, e pretendem servir-se do efeito contra a causa".
- Constant, Benjamin, De la force do gouvernement actuel de la France et de la necéssité de s´y rallier (1796). Paris: Champs/Flammarion, 1988, p. 77.

14 setembro 2006

De novo a cólera da cólera!


"Oito indivíduos encontram-se detidos pela Polícia da República de Moçambique em Nacala-a-Velha, supostamente por serem os cabecilhas de um grupo de 68 pessoas que há dias protagonizaram uma manifestação violenta contra os activistas da organização não-governamental britânica "Save the Children", acusando-os de estarem a introduzir uma droga que provoca o surto de cólera naquele distrito costeiro de Nampula."
(http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/contentx/9349)

Uma vez mais ressurge a cólera da cólera em zona costeira de Nampula, afectando a Save the Children. Há três anos atrás, eu publiquei um livro no qual procurei explicar essa cólera da cólera, essa cólera social, em resposta a uma solicitação de uma organização não-governamental holandesa (SNV), que me pediu investigasse o fenómeno, depois que os seus activistas tinham sido agredidos e ameaçados, sob acusação de introduzirem a cólera mediante o cloro. O governo provincial de Nampula leu o relatório preliminar. O fenómeno nada tem a ver com criminalidade, nada tem a ver com malandros ou com ignorantes. O fenómeno em causa tem uma linguagem errada para sublinhar um problema real. E é este problema que temos de saber identificar, com serenidade, sem viseiras. Gaston Bachelard escreveu um dia que "não há ciência senão do que está escondido”.
Reproduzo mais abaixo o prefácio do jornalista e professor universitário britânico Joseph Hanlon àquele meu livro.

Prefácio

Como é que lidamos com um mundo em rápida mudança que aparentemente só piora as nossas vidas? Frequentemente culpamos o “outro” ou o “estrangeiro”. Carlos Serra e a sua equipa produziram um extraordinário estudo deste fenómeno na província de Nampula, onde pessoas pobres responderam violentamente na base de uma forte crença de que ricos e poderosos de fora estariam a contaminar a água com cólera numa tentativa de os matar. A resposta traduziu-se em violência contra os estranhos à terra e seus aliados na comunidade e resistência passiva contra as instituições do Estado.
A reacção a essa violência contemplou também a atribuição de culpas – a Frelimo culpou a Renamo pela campanha de desinformação e os poderosos culparam os pobres pela sua ignorância. Um dos achados chave deste estudo é que a resposta das pessoas à cólera, apesar de errada, foi racional e lógica e não produto de desinformação.
Os leitores deste livro “saberão” que cloro na água ajuda a prevenir o alastrar da cólera e assim “saberão” que a população local estava errada ao acreditar que a aplicação do cloro era a causa da cólera. Porém, alguma modéstia é aqui pedida ao leitor. Quão diferente é o debate da cólera em Nampula do debate do HIV/SIDA na África do Sul, onde o próprio presidente, um dos mais respeitados lideres mundiais, questionou a sabedoria e o entendimento de alguns dos mais eminentes cientistas mundiais? Ou considere o leitor o mundo de economias em desenvolvimento, onde escritores tal como eu acusam o FMI e o Banco Mundial de serem falsos padres apenas representando os interesses dos ricos, enquanto eles, por seu turno, me acusam e a colegas meus de ignorância e analfabetismo económico.
Este estudo é particularmente bem sucedido pela subtileza no seu conhecimento de como as objeções ao uso do cloro podem ser cientificamente infundadas, mas reflectindo conhecimento político-social bem fundamentado. Em particular, este estudo descobre que a campanha contra a aplicação de cloro na água não foi contra o Estado ou contra a modernização. Foi um protesto contra um Estado que se tinha distanciado do povo e apenas aparecia nas vésperas das eleições e que crescentemente deixou de providenciar de serviços e um melhor nível de vida. Não foi um protesto contra a modernização, mas contra a inexistência dos frutos da modernidade.
O trabalho realça que o protesto foi frequentemente liderado pela juventude desempregada e sem futuro e cujas acções tiveram o apoio tácito dos mais velhos. Tornou-se um protesto contra figuras de autoridade – régulos, oficiais do governo e trabalhadores das ONG’s, que eram vistos como distantes, arrogantes e, mais decisivo ainda, sem soluções. As motas vermelhas dos extensionistas da SNV, guiadas perigosamente e a alta velocidade através das vilas
[*], tornaram-se um forte símbolo de arrogância e distância. Serra e a sua equipa concluem que os protestos contra o cloro na água revelaram “uma profunda intranquilidade e uma falta de confiança no Estado”.
Este estudo é importante porque escutando a população local sobre o que realmente pensa, demonstra em detalhe o clima de falta de confiança e carência. Os símbolos de carência transparecem repetidamente nas entrevistas. Uma série de fenómenos naturais – doenças inexplicáveis em pessoas e plantações, seca e uma pesca escassa – une-se a símbolos de poder maligno vindos de fora: desemprego e fábricas fechadas, motocicletas e carros de ONG’s em geral e os subornos exigidos por pessoal da saúde. A resistência passiva e violenta à aplicação de cloro em abastecimentos de água locais necessita de ser vista como uma tentativa desesperada da população local para reganhar algum poder; como o exercício de um grupo carenciado finalmente tomando uma posição para defender as próprias vidas.
Pessoas entrevistadas neste estudo levantaram questões fundamentais acerca das acções dos que eram um pouco mais ricos e poderosos. Se um enfermeiro ou um funcionário num posto de saúde exigem normalmente um suborno para providenciar um tratamento devido, porque se deveria confiar neles ao dizerem que estão a fornecer cloro de graça? Se uma ONG auxilia apenas alguns grupos selectivos, por que se deveria subitamente confiar nela para ajudar populações empobrecidas em áreas chave de saúde? Se acções do governo apenas levaram a uma pobreza em crescimento e perda de empregos, por que confiar nele agora? E se chefes locais e secretários de partidos têm usado as suas ligações com o exterior para recolher impostos e aumentar o seu próprio poder, por que se deveria confiar neles para ajudar agora?
Esta desconfiança bem assente é demonstrada mais claramente pela resposta à epidemiologia. Oficiais da saúde conduziram reuniões com elites locais para dizer que era provável que a cólera se espalhasse na área e isto foi apoiado por programas de rádio e outra publicidade. Pessoas locais perguntaram: Como é que estas pessoas na cidade sabem que a cólera está para vir? Claro, só pode ser porque eles a trarão. Elas dirão que não, mas são as mesmas pessoas que nos disseram que votar pela Frelimo nos traria um futuro melhor e que os camponeses seriam ajudados com o fecho da fábrica local de processamento de castanha de caju.
As ONG’s, pessoal de saúde e chefes locais foram sinceros nas suas tentativas para controlar a cólera, mas as populações locais estavam também certas ao quererem saber quem estava por trás dessas pessoas e por que é que a sua “ajuda” seria benéfica agora quando o não o tinha sido no passado. À sua maneira, as populações locais provaram ser mais sofisticadas do que muito pessoal do governo e trabalhadores da ajuda, porque elas contextualizam os temas – perguntam quem está por trás e quem irá ganhar. Elas demonstraram uma compreensão de que os interesses dos ricos e dos pobres são diferentes e as suas afirmações de desconfiança de que os ricos estariam a “ajudar” os pobres são bem fundamentadas. São afirmações de estarem simplesmente a criqr uma cobertura para um nova forma de exploração?
Do pessoal do Banco Mundial e dos ministros em Maputo com as suas finas casas e Volvos com motoristas, até ao pessoal de ONG’s locais e trabalhadores de extensão agrícola, a maioria dos envolvidos em “desenvolvimento” acredita sinceramente naquilo que está a fazer para ajudar os pobres, acredita sinceramente que a sua tarefa é de convencer os pobres a agirem de modo diferente e acredita sinceramente que deve ser bem recompensada por dedicar as suas vidas a ajudar aqueles que considera ignorantes e retrógrados. Mas no terreno, os pobres vêem que as únicas pessoas que parecem ganhar são aquelas que vêm para “ajudar”. Os pobres têm toda a razão para questionar se os padres sinceros, os trabalhadores de saúde e o pessoal das ONG’s enviado para áreas rurais não serão somente uma tentativa para, através da confiança, explorar melhor os pobres. E estes têm toda a razão para desconfiar dos líderes locais, que se aliam aos novos exploradores estrangeiros. Os pobres têm a percepção de uma cadeia que remonta à era colonial de pessoas que vieram “civilizá-las”.
Este estudo também aponta para uma contradição fundamental. Como é que “nós”, os ricos e poderosos que lemos e escrevemos livros, “os” convencemos, aos pobres e fracos, de que pelo menos desta vez estamos realmente a tentar ajudá-“los”. Esta questão é partilhada tanto por aqueles que realmente querem ajudar refreando a cólera e aqueles que simplesmente querem encontrar novas maneiras para explorar os pobres. É a questão da indústria da publicidade – usamos as mesmas técnicas para explicar às pessoas como viver uma vida mais saudável tal como também usamos para lhes vender produtos dos quais não necessitam?
É justo perguntar se alguém beneficiou da confusão acerca da cólera. A Frelimo acusou a Renamo de uma campanha de desinformação, no entanto o estudo não encontrou nenhuma evidência nesse sentido. A Renamo poderá ter obtido algum capital político de curto prazo, sublinhando as fraquezas do serviço de saúde do governo na província de Nampula. Mas a Renamo não podia oferecer a única coisa que poderia fazer a diferença – autoridade local. Como a Frelimo, permanece altamente centralizada e é incapaz de oferecer outro modelo de desenvolvimento ou de distribuição de poder. Na sua campanha eleitoral de 1999 a Frelimo prometeu dar às pessoas um futuro melhor; a Renamo afirma que ela fracassa nisso. Porém, nenhum partido está a oferecer aos pobres o poder de eles próprios construírem o seu melhor futuro. Talvez não o possam; a comunidade internacional está igualmente relutante em permitir a Moçambique o poder de construir um futuro melhor.
Há quarenta anos, a Frelimo demonstrou que as pessoas podiam ser mobilizadas à volta de uma promessa que daria poder para melhorar as suas próprias vidas. Este estudo mostra que hoje em Nampula, “o poder do povo” não está morto, mas não é construtivo. Num mundo cada vez mais globalizado com riqueza e poder concentrados nas mãos de um grupo reduzido, a maior parte dele, porém, tem cada vez menos poder enquanto se tornam mais frequentes tentativas desesperadas para reganhar pelo menos uma pequena porção de poder local. Como em Nampula, essas tentativas são avisos de que a desconfiança fundamental demonstrada pelos protestos da cólera apontam para violência espontânea do mesmo tipo em outras áreas.

Joseph Hanlon

[*] O estudo mostra, porém, que o trabalho da SNV é respeitado nas áreas onde actua. Ressalte-se que a organização teve a coragem de encomendar esse estudo e de suportar a publicação.

13 setembro 2006

Ideia

Não é quando o peso da opressão é maior que nos revoltamos, mas quando ele se distendeu ou desapareceu.
Uma ideia nascida quando lia Alexis de Tocqueville.

Crises

As crises são muitas vezes menos a consequência de uma sociedade "doente", do que de uma sociedade com "saúde", em crescimento.

Precaução

O facto de haver uma correlação entre dois fenómenos, não significa que um seja a causa do outro.

Os factos

"Os fatos não falam" (Henri Poincaré).
Nós os fazemos falar.

Paixões humanas

Numa carta publicada no "Notícias" de hoje (13/09/06, p.5), Hélder Abel Nhautome escreve, gravemente preocupado, sobre as paixões humanas, sobre a infedilidade, sobre o ciúme, sobre os dramáticos problemas daí decorrentes. E termina a carta com um patriótico apelo: "Ilustres! Não se entreguem a este mal, porque a maior entrega e determinação deve estar na busca dos grandes problemas de que o povo moçambicano é vítima."

12 setembro 2006

Bonéismo


Mais uma reunião nacional do Instituto Nacional de Segurança Social, iniciada em Maputo.
E, como se vê, o boné lá está (recordam-se de que não é a primeira vez que neste diário me refiro à cultura do boné).
Se partirmos do princípio sensato de que uma hipótese é uma antecipação da relação entre dois fenómenos (a provar ou a infirmar na investigação), proponho então que dentro da sala havia sol e que, portanto, o boné era a solução mais radiosa e bem jet set.
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Foto reproduzida do “Notícias” de hoje (12/09/06), 1ª página

11 setembro 2006

Racismo

O racismo precede a raça.

O aguilhão da abelha colonial

Montaigne escreveu que chamávamos bárbaros e selvagens aos que não eram como nós.
Montesquieu vituperou aqueles que estranhavam quem pudesse ser Persa.
Aqui, em qualquer poro desta cidade, em qualquer barraca, passamos a vida a rir-nos dos chingondos, dos que consideramos estrangeiros e atrasados, "aquela gente lá do norte".

Responsabilizamos o colonialismo pelo aviltamento da nossa alma, mas aprendemos bem a lição, muitos de nós.
O aguilhão da abelha colonial ainda nos habita.
Salvo, claro, se quisermos considerar que as nossas abelhas são puramente "made in Mozambique".

Nazismo tropical

Nós, Africanos, temos heróis, sábios, mas também temos espíritos vis. Com a cumplicidade de certos dos nossos antepassados, o tráfico negreiro prosperou. Temos a responsabilidade desse tráfico, tanto quanto os traficantes. Temos nas nossas culturas atitudes de exclusão diante de quem possui tatuagens, línguas e costumes diferentes. Hoje ainda, em África, nos interrogamos como os que vivem do outro lado do rio ou num outro lado da montanha podem ser Hutu, Tutsi, Bakongo, Balula ou Batéké. Cegos pelos prejuízos, que bem podem merecer o nome de nazismo tropical (sic), nós somos capazes, em certas circunstâncias, de nos lançarmos, machado na mão, sobre o vizinho e eliminá-lo, como se fôssemos feras à caça de presas pertencentes a uma espécie diferente.

Esse o pensamento de Henri Lopès, escritor congolês.
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Lopès, Henri, Mes trois identités, in Kandé, Sylvie, Discours sur le métissage, identités métisses, En quête d´Ariel. Paris: L´Harmattan, 1999, p. 138.

Sobre a valorização

Valorizemos a nossa cultura, valorizemos as línguas nacionais!
Um discurso organicista, de apelo às raízes, a raízes puras.
Falamos como se cultura e línguas fossem imunes ao tempo, impermeáveis à mudança, como se fossem algo de preciso tactilmente, algo que pudessemos tocar a qualquer momento.
Como se os utentes dessa cultura e dessas línguas algum dia se tivessem posto a si-próprios o problema de saberem se estão fora ou dentro delas! E que se dentro, mais dentro deviam estar!
Que tristeza diluviana não sentem alguns quando, na agrimensura das línguas nacionais, na sua gramaticalização, se defrontam com vocábulos novos, estrangeiros, intrusivos. Que desgraça semelhante virose!
Na verdade, intelectuais há que ganham úlceras só de pensar que uma determinada língua evoluiu e agrega hoje componentes de outras línguas.
Hoje ainda consideramos estrangeira a língua portuguesa, falada em Moçambique desde 1505, numa área onde só bem mais tarde, na mestiçagem cultural do sertão, se começaria a falar Chisena.
Intelectuais há que segregam anticorpos só de pensar que as tchuna-babes substituem as capulanas (cujos antepassados, os bertangins, nos vieram da Índia) ou com elas ombreiam na estética das nossas mulheres.
Tempo houve já em que gente havia -e certamente ainda há -interrogando-se sobre a origem estrangeira da nossa marrabenta.
E certamente muitos sofrem por não poderem ter um tufo rebelde à influência islâmica, um tufo continental, caseiro, hostil à costa e às culturas híbridas do mar, culturas que nos trouxeram a mandioca, a papaia, o caju, a laranja, a banana, o trigo e por aí fora.

Quanto mais os nossos intelectuais orgânicos do sistema se universalizam, quando mais vivem um imenso mundo intercultural nos trilhos da informática, dos seminários e das viagens em executiva, mais desejam que o povo viva para sempre na rodoma de uma amada cultura aldeã, intacta, repleta de tropismos locais, imune à perigosa muchem da mudança e da modernidade.
Para brincar um pouco com uma frase de Wright Mills, muitos deles desejam ver um povo não de radicais ou de reaccionários, mas de inaccionários.

10 setembro 2006

Uma pergunta lixada

Uma pergunta lixada: os apanhadores de lixo, os lixeiros, gostam dos restos de comida que encontram e comem?
Naturalmente que as nossas respostas podem variar. E pode até acontecer que nem respostas tenhamos por não nos termos nunca colocado essa pergunta e, especialmente, por não termos tido nunca a lixada viva de lixeiros.
Defendamos esta tese: se os gostos gastronómicos são socialmente determinados, a fome, essa é associal.
Porém, o ponto central é que os lixeiros gostam do que comem porque não têm outra alternativa...social. São socialmente obrigados a socializar a fome associal.
Mas, depois, no miolo de uma questão tão capciosa na aparência, tão desnecessária, tão banal, tão absurda na aparência (ou na realidade), outros problemas podem surgir: que condições sociais permitem o surgimento de perguntas e, se quiserdes, de temas de pesquisa? De certas perguntas e de certos temas de pesquisa? O que nos leva a escolher, por exemplo, como tema de pesquisa, um fenómeno passado no século XVIII? O nosso gosto, a nossa preferência individual? O que nos leva a uma sessão de jam-session? O que determina a redacção do jornal “Notícias” a escolher os temas das suas páginas 2 e 3?
Marx escreveu um dia que a humanidade só se põe os problemas que é capaz de resolver. Provavelmente tinha e tem razão.

07 setembro 2006

Saborosas reinterpretações da história

Sabeis que a 7 de Setembro de 1974 se assinaram em Lusaka, Zâmbia, os acordos de paz entre o governo português e a Frelimo, após dez anos de luta armada. Hoje é feriado aqui por isso mesmo.
E também sabeis que em 1992 se assinou em Roma o acordo de paz entre a Frelimo e a Renamo, após uma sangrenta guerra civil que durou 16 anos.
Ora, ontem à noite a Rádio Moçambique entrevistou vários jovens e perguntou-lhes se conheciam o significado do 7 de Setembro. Uns não sabiam, mas outros sabiam à sua maneira. Saliento de memória duas respostas:
  • Foi a ida da [sic] Lusaka a Roma
  • Foi o dia dos acordos de Lusaka em Roma

05 setembro 2006

O que é uma foto bonita?

O que é uma foto bonita? Eis uma terrível pergunta.
Naturalmente que cada um de nós responderá com determinados critérios de estética.
O problema está na facilidade com que lhe daremos uma solução psicologizante, uma resposta ao nível do indivíduo.
Bem mais difícil é aprendermos que por trás de opções individuais habitam grupos sociais e padrões diferentes de estética, de avaliação do belo.
Mesmo os questionários correm muitas vezes o risco de multiplicarem a atracção psicologizante.
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N.B. Existem páginas maravilhosas sobre o tema em Émile Durkheim e Pierre Bourdieu.

O que é natureza humana?

O que é natureza humana? Uma coisa simples ao nível do nosso saber de todos os dias: forma irremediável de ser dos humanos, bloco comportamental sem fissuras, substância quase biológica, algo que que não exige perguntas porque já é uma resposta. Eis pequenos exemplos, prenhes de etnocentrismo:

Masena = hospitaleiros mas perigosos
Ajaua= portadores de feitiço forte
Matswa (Vilankulo)= murowakoko (caril de coco mal feito)
Mandau= sujos, defecam a céu aberto
Mulatos= ladrões sem pátria *

A sociologia nasce justamente quando questiona esse saber caseiro, orientador, confortante, mas também, nos casos mais extremos, mutilador e exterminador.
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*Percepções recolhidas em 1999.

04 setembro 2006

Lançamento amanhã


Lançamento amanhã, 18 horas, Centro de Estudos Brasileiros.
Rever minha anterior entrada a propósito deste livro de Maria Baiocchi, docente e pesquisadora da Universidade Federal de Góias, Brasil.

Lançamento quarta-feira


Lançamento quarta-feira, dia 6, Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, campus universitário, novo complexo pedagógico, 16 horas, com apresentação minha.
Os autores são docentes e investigadores da Universidade Pedagógica.

03 setembro 2006

Rei Bingo de Angola "binga" calças às mulheres

O rei Bingo Bingo, do Cuito Cuanavale, leste de Angola, proibiu as mulheres de usarem calças. Casos de desobediência serão punidos com multas de dois cabritos ou 10 mil cuanzas (cerca de 100 euros).
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http://www.imensis.co.mz/news/anmviewer.asp?a=6359&z=15

02 setembro 2006

Espanto e holofotes cognitivos

Volto ao espanto, espanto que é a coluna vertebral de qualquer interpretação sociológica.
Escrevi, em entrada anterior, que mais decisivo do que inovar teórica ou metodologicamente, era a nossa capacidade de espanto perante os fenómenos da vida.
Efectivamente, é esse espanto, essa juventude do nosso “olhar” que faz encontrar o que é sempre novo no que, socialmente, parece sempre velho.
E é espantando-nos que deixamos de ser sociólogos, historiadores, antropólogos, sejam quais forem as gavetas vaidosas das chamadas ciências sociais.
Seremos, somos, apenas, estudantes do social.
E, sendo-o, sê-lo-emos tão melhor quanto mais holofotes cognitivos soubermos assentar sobre o que estudamos, quanto mais visibilidade soubermos criar sobre os objectos da nossa pesquisa, quanto mais pontes formos capazes de criar entre fenómenos que só aparentemente estão isolados.

01 setembro 2006

Dois blooks



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Blooks= livros com conteúdos saídos de blogues.
http://en.wikipedia.org/wiki/Blook

Espanto

Interessante, muito interessante. Um blogue começado e abandonado no mesmo ano, 2004. Nele, uma socióloga queixou-se amargamente do facto de num país europeu um dado sociólogo passar por ser o emblema de referência na sociologia local. E escreveu: "Ele não trouxe nada de novo". Etc.
Eis o velho problema: a crença de que precisamos de ter coisas novas para sermos sociólogos, de ter formas novas, teoricamente novas, de estudarmos e analisarmos o social.
Todavia, em meu entender não são as novas teorias e os novos métodos que, em última instância, nos fazem ler melhor esse social, mas, antes, a nossa capacidade permanente de espanto perante o que sempre parece repetir-se.
O social esgota-se quando o espanto desaparece.
A sociologia é espanto enxertado nos fenómenos.