28 abril 2006

O perfume entorpecente da estatística

Como têm sido descritos os actores em processo de exclusão social? Através de parâmetros do género "índice de desenvolvimento humano", "pobreza absoluta", "pobreza relativa", etc. Enormes massas de pessoas, esvaziadas do que nelas é vida, singularidade e diferença, são primeiro centrifugadas em questionários meticulosos e, depois, embaladas em números, coeficientes, percentagens, tabelas, medidas de tendência central, quartis, gráficos, etc. Tudo isso, todo esse magna que espalma, achata e concentra a Periferia, tal como concentramos múltiplos tomates num puré, é oriundo do centro de bem-estar, disciplinador e normalizador. Não é só uma questão de disfarçar a inanidade das concepções sob um imponente vocabulário vazio de sentido, mas, também e sobretudo, de esconder a desigualdade social sob o crédito seguro da estatística. Uma das consequências desse tipo de trabalho consiste na trituração dos actores e na sua reorganização classificatória e asseptizada em termos de "populações", "indivíduos", "grupos", "camadas vulneráveis", "parceiros sociais", etc., categorias amorfas, isentas de relações sociais, furtadas ao conflito social. Em lugar de analisarmos a lógica das relações sociais, descrevemos níveis geológicos dispostos segundo uma ordem decrescente de "mais pobre" a "menos pobre". Propomos, depois, as receitas: uma estrada, um posto médico, uma sala de aulas. Bons samaritanos, julgamos que, dessa maneira, mantendo intactas as relações sociais no interior das quais se geram todos os dias assimetrias e injustiças, teremos cumprido o nosso bom dever cívico em prol da redução da pobreza, da unidade entre os seres humanos e da redução dos conflitos.

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